A professora de Teoria da Literatura entra na sala, liga o retroprojetor e na tela branca aparece um texto que causa frissom entre os calouros da faculdade de Letras. Lê-se:
"O jumento e o cavalinho
eles nunca andam só
quando sai pra passear
levam a égua pocotó
pocotó, pocotó, pocotó
minha eguinha pocotó"
No meio da chuva de risos e deboches, a professora tenta perguntar o que nesse trecho poderia demonstrar o caráter literário da letra da música. O que faria com que esse "pedaço de lixo", como foi dito por montes de claouros apressados em participar da aula, ser comparável à "minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá" ?
Na opnião desta recém iniciada no mundo das letras, quase tudo é literatura. A eguinha pocotó utiliza, de uma forma ou de outra, elementos literários em sua construção. Tem rima. Tem ritmo.
Essa aula me fez pensar sobre o que mais não consideramos literatura e deixamos pra trás por serem meros textos. Um blog seria um objeto literário? O diário de uma pessoa, como o de Anne Frank, poderia ser visto como uma obra de não-ficção estando disponível apenas nos meios virtuais?
Saiu na folhaonline de hoje "O blog Baghdad Burning ("Bagdá em Chamas"), criado por uma jovem iraquiana anônima, foi selecionado nesta segunda-feira como finalista de um importante prêmio literário da BBC. Em seu diário virtual, a internauta descreve o impacto da guerra na vida da população. ". Entrei no site, extremamente bem escrito por uma pessoa que não tem no inglês a sua língua materna. Tocante, sem ser melodramático. Interessante para qualquer um que tenha curiosidade sobre o outro lado da guerra. E acima de tudo, um bom exemplo do que é um texto literário. O link é http://www.riverbendblog.blogspot.com/.
Um comentário:
Comemos apenas comida processada. Não refletimos o que recebemos e apenas repetimos o que lemos. Não entendemos a imensidão de uma obra de arte, e para nos incluírmos e para não sermos chamados de ignorantes (ou até mesmo pra não passar carão), damos as mesmas opiniões mastagadas, esteriotipadas e estúpidas sobre o mundo.
Eguinha é uma música divertidíssima, em toda sua idéia de um ser transfigurado cantando e seu ritmo contagiante e letras simplórias. Mas não, foi julgado como ridículo, como lixo cultural e como mau exemplo. Besteira.
Minhas únicas conquistas na arte foram aquelas em que consegui receber e interpretar uma peça pela minha subjetividade, fugindo ao máximo dos parâmetros já estabelecidos (e principalmente de meu preconceito) e tentando entender o porque dela em mim, e nela. O maior exemplo é Beatles, que considerava apenas uma música bobinha da década de 60. Nunca entendi o porque de tando auê. Até que alguns anos atrás, baixei os cds e ouvi, sem ninguém por perto e sem ter os parametros fixados. Em suma, hoje Beatles é tão foda pra mim quanto o sol que toca minha pele num dia frio.
ps: Engraçado como alguns pensamentos semelhantes vagam pelo ar. O Blog do Rafa tá com uma discussão semelhante.
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