Domingo a noite, não tão noite assim. É janeiro, mas isso não impede que em Curitiba esteja chovendo e com a temperatura em torno de 15 graus.
Voltando pra casa numa via de velocidade, paro em um semáforo que só fecha quando o carro de bombeiros precisa sair do quartel. A ironia é na verdade dupla: nenhum carro de bombeiro sai do quartel, e atrás de mim chega uma ambulância com a sirene ligada. Não era a primeira da fila, logo não podia arrancar, e a criatura que estava na minha frente achou que era melhor permanecer parado do que dar a vez. Do meu lado, um carro velho, dirigido por um senhor de bastante idade, não permetia que eu mudasse de pista. E assim ficamos, a ambulância, o velhinho, o medroso e eu, parados no semáfaro inútil por uns bons minutos.
Com a seta ligada, pedindo a vez pra entrar na outra pista e liberar a ambulância, acreditei que qualquer ser consciente me daria a vez. Mas não foi o que aconteceu, e eu, na minha condição de Georgia, gritei pro motorista do carro preto: "olha ambulância, moço!". Ele passou, entrei atrás e a ambulância foi embora, me permitindo voltar pra pista em que estava antes. Como a via era de alta velocidade, acelerei e alcancei os 60 km/h permitidos.
Umas 4 ou 5 quadras depois percebo que o carro escuro que não quiz me dar passagem está tentando emparelhar comigo. Peraí, ele tá me fechando, não emparelhando. Ok, ele quer me jogar pra fora da pista. Ouço uma buzina e motorista faz sinal para abaixar o vidro.
Abro a janela, os carros ainda em movimento. O babaca olha pra mim e ameaçadoramente grita:
- Tá nervosinha, é?
- Não moço (lembrando do cara que foi morto no posto de gasolina por causa de uma briga do trânsito), tava tentando sair da frente da ambulância que há algum tempo tava pedindo passagem.
- Ahhhh.... Tá bom então (e fecha a janela).
Só que o assunto não estava encerrado, e o imbecil se dignou a me seguir por mais algumas quadras, até eu ameaçar parar numa viatura do POVO que estava numa esquina.
Toda essa história me fez tremer, ficar com ódio, passar muito mal no volante. Enquanto ele me seguiu, lembrei de uma vez que estava com meu pai na mesma rua e um cara que, depois de meu pai dar a seta e pedir a vez pra ele, sacou um revólver e nos seguiu por quadras. Eu era pequena, e essa é a primeira demonstração de violência mais-do-que desnecessária de que me lembro. Na hora que parei o carro pra encontrar com a minha mãe a única coisa que eu conseguia fazer além de tremer era soluçar, não conseguia sequer explicar o que tinha acontecido.
Mas agora, com a cabeça mais fria e longe da possibilidade de levar um tiro ou ser jogada pra fora da pista, vou dizer como aquele diálogo com o filho da puta deveria ter sido:
- Tá nervosinha, é?
- Não moço... Mas o senhor viu a ambulância que tava atrás de mim? Ela tava com a sirene ligada, e passou voando logo que conseguiu. Sabe, é por isso que eles ligam a sirene... E se o senhor se sentiu incomodado por eu querer entrar na sua frente, saiba que não é nada pessoal, não. Eu sei que meu carro é bemmmmm pior que o seu, que eu sou uma motorista bemmmm pior que o senhor. Só que a gente tem que saber viver em comunidade, e mesmo que a ambulância não seja para o MEU bem, eu preciso dar a vez pra ela. E não se preocupe, prometo que nunca mais vou ferir sua masculinidade dessa forma, seu playboyzinho grisalho em crise de meia idade. Aposto que sai por aí catando as gostosonas e secretamente fantasia em ser como elas, com um machão caidinho por você. Seu porco! Você trata a sua mãe assim? Onde já se viu ficar fechando alguém, ameaçando uma menina sozinha num carro no meio da noite? Hein machão? Aposto que o carrão brilhante é pra compensar o tamanho da sua pseudogenitália. Babaca arrogante. Espero que no dia que a sua direção negligente te levar a um acidente, a ambulância do SIATE seja impedida de chegar a tempo pra salvar as suas pernas. Idiota.
Como disse um amigo outro dia, as pessoas têm um porte de arma que as permite dirigir.